terça-feira, 27 de abril de 2010

Política - Canetada paga 13º a políticos de 200 cidades de Minas

Ezequiel Fagundes - EM

Ganhar 13º salário é um dos benefícios mais almejados pelo cidadão comum. É um direito previsto na Constituição para quem possui carreira estável. Em um país com escassez de vagas de trabalho formal, receber o recurso extra é quase uma bênção. Já no seleto mundo dos políticos, a realidade é bem diferente, especialmente, em 200 municípios mineiros, nos quais o pagamento do benefício natalino foi criado na canetada. Nessas cidades, o recurso foi incorporado ao contracheque de prefeitos, vice-prefeitos, vereadores e secretários graças à aprovação de leis municipais, todas consideradas inconstitucionais pelo Ministério Público (MP), que já acionou a Justiça na tentativa de revogá-las. Como ainda não houve sentença, os beneficiados alegam que não veem problema algum em abrir mão do recurso extra, desde que haja uma ordem judicial.

É o que ocorre, por exemplo, em Serra da Saudade, cidade do Centro-Oeste de Minas, com apenas 889 habitantes. Lá, todos os agentes políticos receberam o 13º salário no fim do ano passado. A prefeita Neusa Maria Ribeiro (PDT) ganhou R$ 9 mil, o vice, Waldemar de Camargos (PV), recebeu R$ 3 mil e os secretários R$ 2,3 mil cada um. Já os vereadores embolsaram R$ 1,4 mil, menos o presidente da Câmara Municipal, que recebeu R$ 1,8 mil de gratificação. Sem qualquer constrangimento, o atual presidente do Legislativo local, vereador Sebastião Ribeiro da Silva (PSDB), o Tião Vermelho, contou que usa parte do dinheiro que ganhou para fazer assistencialismo em troca de apoio político. “Não é o meu caso, mas os vereadores ficam reclamando que várias cidades pagam o 13º salário. Se o juiz falar que não pode pagar, a gente vai parar de pagar na hora, apesar de ser um dinheiro que sempre chega em hora boa. Mas dinheiro de político, você sabe como é, acaba servindo para pagar conta de luz, de água ou telefone. Isso é normal em cidades pequenas, onde os vereadores ganham uma mixaria e não sobra nada”, reclamou.

Em BH, o benefício foi estendido ao prefeito Marcio Lacerda (PSB), ao vice Roberto Carvalho (PT) e aos 41 vereadores, além de todos os secretários de primeiro e segundo escalão. Dois projetos foram aprovados pela Câmara, em 2008, prevendo o pagamento a partir de 2009 com o nome de “ajuda de custo”, no valor de R$ 19.080 para o prefeito, R$ 12.783 para o vice e R$ 9.288 para os parlamentares. As duas leis foram questionadas na Justiça por meio de ação direta de inconstitucionalidade (Adin), movida pelo Ministério Público, sob o argumento de que afrontam o artigo 39 parágrafo 3º da Constituição. O MP entende que o agente político só tem direito a receber subsídio fixado em parcela única.

O procurador da Câmara de BH, Marcos Amaral, também cita a Constituição para sustentar que a gratificação é direito social adquirido. “Traria uma segurança jurídica muito grande à administração municipal se o Supremo decidisse se pronunciar sobre o assunto. Imagine só se mais tarde todos tiverem que devolver o que receberam em ações de ressarcimento?”, argumenta.

Como na capital, em Nova Lima os valores podem alcançar cifras vultuosas. O prefeito Carlinhos Rodrigues (PT) tem direito a R$ 21.946,98. Os secretários de governo, R$ 6.866,54, e os vereadores, R$ 5.626. O presidente da Câmara, Ronaldes Gonçalves Marques (PDT), que, por alguns segundos, sofreu um lapso de memória, apresentou a seguinte versão: “13º salário?…É verdade, nós recebemos aqui. Estava confundindo com gratificação de reunião extraordinária”. A prefeitura não informou se prefeito e vice recebem o bônus.

Ninguém fala sobre o assunto

De acordo com o MP, o contribuinte de Santa Cruz do Escalvado, de pouco mais de 5 mil habitantes, na Zona da Mata, também custeia as bonificações. O prefeito Gilmar de Paula Lima (PMN) pode receber R$ 7.600,03, enquanto o vice, Dimas Silva Ferraz, fica com R$ 2.030,14. Os nove vereadores embolsam R$ 1.301,37 cada um, com exceção do presidente da Câmara, José Carlos Moreira Lana, que ganha R$ 1.946,85. Em contato com a Câmara dois dias seguidos, uma assessora parlamentar informou que não conseguiu localizar os vereadores e não tem autorização para passar seus telefones. Já na prefeitura, a secretária informou que o prefeito e o vice estariam viajando.

O advogado e membro da comissão de estudos constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Minas Mário Lúcio Quintão Soares tem entendimento semelhante ao dos autores da série de Adins, os procuradores de Justiça Elaine Parise, Renato Franco e Maria Angélica Said, da Coordenadoria de Controle da Constitucionalidade do MP de Minas: “Os agentes políticos exercem uma função de representação vinculada ao mandato eletivo, que tem data para começar e para acabar. Portanto, eles não têm o direito de receber esse tipo de vantagem, já que não possuem carteira assinada como os trabalhadores comuns, regidos pelas normas da CLT. A tendência é que o tribunal revogue essas leis”, explicou.

Entenda o caso

No apagar das luzes da legislatura passada, centenas de câmaras municipais de Minas, incluindo a de BH, aprovaram projetos de lei e resoluções criando o 13º salário para prefeitos, vice-prefeitos, vereadores e secretários de governo;

No primeiro semestre de 2009, o Ministério Público (MP) expediu recomendação aos 853 municípios de Minas, alertando que o recebimento de gratificação extra por agente político afronta o artigo 39 da Constituição Federal. Na ocasião, o MP recomendou a revogação das leis;

Apesar da solicitação, 200 prefeituras e câmaras responderam, alegando que possuem autonomia para criar a bonificação e que os agentes políticos têm direito a receber o recurso. A interpretação é que os políticos são trabalhadores como quaisquer outros;

O MP ingressou na Justiça com ações diretas de inconstitucionalidade (Adins), pedindo a revogação das leis municipais. O Tribunal de Justiça (TJ) ainda não concedeu nenhuma sentença em relação à polêmica.

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